terça-feira, 22 de junho de 2010

Uma Noite Com Maria Rita - Por Dj Zé Pedro


O tempo avançou e recuou nessa segunda-feira no pequeno palco do Tom Jazz aqui em São Paulo. Maria Rita estava de volta ao formato que a consagrou: um trio de músicos afiados e um repertório de ouro. Mas nada seria como antes. Foi melhor.



Quando Maria Rita fez seu primeiro show solo num espaço chamado Supremo também aqui em São Paulo eu estava lá. Do lado de fora uma multidão tentava em vão entrar, e eu me sentia feliz e eleito de estar ali, onde depois de tantos anos de espera, iria vê-la cantar. Durante muito tempo sempre alguém passava por mim e dizia: quando você ouvir Maria Rita vai esquecer as outras. E quase esqueci mesmo. Ansioso para ter algum registro daquela noite, levei minha pequena filmadora em tempos bem distantes de youtube. Não consegui filmar. Chorava o tempo todo e molhava a lente. O impacto foi fulminante. Em seguida, o inevitável aconteceu: Maria passou a ocupar as grandes casas de shows e, surpreendentemente, mantendo o mesmo clima intimista daquela primeira noite. E o resto é história: filas intermináveis para comprar ingressos. Eu consegui. Filas nas portas das lojas para comprar o primeiro cd. Eu comprei. Tumulto na porta dos camarins. Eu esperei e entrei.


Depois Maria Rita cresceu ainda mais. Ficou linda de se ver e adotou o samba como plataforma principal. Solarizou e arrastou multidões. E eu fui ficando prá trás, acompanhando de longe um pouco assustado e temeroso com o que aconteceria a seguir depois de um projeto tão vitorioso. Reencontro com ela no São Paulo Fashion Week e sou avisado: “farei uma temporada no Tom Jazz”. Meu coração se encheu de alegria. Maria Rita sabia recuar em busca do essencial. Sabia estar nas pequenas decisões o oxigênio necessário para novos passos. Contei os dias que nem um presidiário em dias de solitária. Sonhei com possíveis repertórios e figurinos. Imaginei milhões de possibilidades. E o dia de ontem chegou.


Diante de uma platéia lotada e bem comportada, sem as histerias habituais dos grandes teatros, Maria Rita entrou no minúsculo palco com a serenidade dos velhos tempos. Os anos de estrada em grandes turnês, sua experiência no show bizz estava ali em forma de estrutura: uma luz poderosa e muito bem executada, um som de altíssima qualidade e um figurino brilhante sem parecer demasiado para aquele lugar. Pequenas coisas que fazem diferença para o grande motivo dessa noite acontecer: Maria Rita e sua voz tamanha. E foi como se eu sentasse numa montanha-russa de emoções: durante mais de uma hora de show não parei de aplaudir e consagrar essa grande cantora. Suas divisões rítmicas, sua emoção à flor da pele. Seu corpo suave e tenso conforme as emoções de cada música. Sua intimidade e segurança com o ofício de cantar.

E as surpresas apareceram logo. Conceição dos Coqueiros de Lula Queiroga abre o espetáculo e toma a platéia de imediato. Santana de Junio Barreto e Perfeitamente de Fred Martins e Francisco Bosco não incluídas no segundo álbum da cantora, encontram seu lugar ideal no show. Soledad de Jorge Drexler reafirma a competência de Maria ao interpretar canções latinas. O roteiro prossegue com canções tiradas de seu repertório num encadeamento lógico que mantém a platéia atenta e participativa. Os anos de Samba Meu só acentuaram a capacidade ímpar de Maria para interpretar o ritmo que melhor traduz a nossa terra. Ela faz o que quer e quando quer com os sambas que escolhe prá cantar e a banda demonstra uma afinidade impressionante. Mais para perto do final do show, ela relembra uma Rita Lee dos anos 80 (Só de Você) e apresenta sua versão definitiva para A História de Lily Braun de Chico Buarque e Edu Lobo que fez parte da turnê de seu segundo disco mas nunca foi registrada em disco.

Ao final, ovacionada, Maria Rita volta ao palco para fazer todos cantarem com ela Encontros e Despedidas. E voltamos todos para casa com a consciência do dever cumprido. Ela de ser uma das maiores cantoras desse país e nós mais exigentes com o que ouvimos por aí. Continuar uma trajetória é retroceder.

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